4.10.08

Fragmentos de um Discurso Inflamado


Trechos do discurso pronunciado no célebre Concílio de 1870 pelo Bispo Strossmayer, católico romano:





Não, Monsenhores; não blasfemo nem perdi o juízo! Tendo lido todo o Novo Testamento, declaro, ante Deus e com a mão sobre o crucifixo, que nenhum vestígio encontrei do papado.





Lendo, pois os santos livros, não encontrei neles um só capítulo, um só versículo que dê a São Pedro a chefia sobre os Apóstolos.






Não só o Cristo nada disse sobre esse ponto, como, ao contrário, prometeu tronos a todos os Apóstolos (Mateus, cap. XIX, v. 28), sem dizer que o de Pedro seria o mais elevado que os dos outros! -- Que diremos do seu silêncio?






Quando Cristo enviou os seus discípulos a conquistar o mundo, a todos — igualmente — fez a promessa do Espírito Santo. Dizem as Santas Escrituras que até proibiu a Pedro e a seus colegas de reinarem ou exercerem senhorio (Lucas, XXII, 25 e 26). Se Pedro fosse eleito papa Jesus não diria isso, porque, segundo a nossa tradição, o papado tem uma espada em cada mão, simbolizando os poderes espiritual e temporal.






Reuniu-se em Jerusalém um concílio ecumênico para decidir questões que dividiam os fiéis. Quem devia convocá-lo? Sem dúvida, Pedro, se fosse papa. Quem devia presidir a ele? Por certo, Pedro. Quem devia formular e promulgar os cânones? Ainda Pedro, não é verdade? Pois bem: nada disso sucedeu! Pedro assistiu ao concílio com os demais Apóstolos, sob a direção de São Tiago! (Atos, cap. XV).






Encarando agora por outro lado, temos: enquanto ensinamos que a Igreja está edificada sobre Pedro, S. Paulo (cuja autoridade devemos todos acatar) diz-nos que ela está edificada sobre o fundamento da fé dos Apóstolos e Profetas, sendo Jesus Cristo a principal pedra do ângulo. (Epistola aos Efésios, cap. II, v. 20) Esse mesmo Paulo, ao enumerar os ofícios da Igreja, menciona apóstolos, profetas, evangelistas e pastores; e será crível que o grande Apóstolo dos gentios se esquecesse do papado, se o papado existisse?






O Apóstolo Paulo não faz menção, em nenhuma das suas Epistolas, às diferentes Igrejas, da primazia de Pedro; se essa existisse e se ele fosse infalível como quereis, poderia Paulo deixar de mencioná-la, em longa Epístola sobre tão importante ponto?






Concordai comigo. A Igreja nunca foi mais bela, mais pura e mais santa que naqueles tempos em que não tinha papa.





Também nos escritos de S. Paulo, de S. João, ou de S. Tiago, não descubro traço algum do poder papal! S. Lucas, o historiador dos trabalhos Apostólicos, guarda silêncio sobre tal assunto! -- Isso deve preocupar-vos muito.





Pensei que, se Pedro fosse vigário de Jesus Cristo, ele não o sabia, pois que nunca procedeu como papa: nem no dia de Pentecostes, quando pregou o seu primeiro sermão, nem no Concílio de Jerusalém, presidido por S. Tiago, nem na Antioquia, e nem nas Epístolas que dirigia às Igrejas. Será possível que ele fosse papa sem o saber?





Scalígero, um dos mais eruditos historiadores, não vacila em dizer que o episcopado de S. Pedro e a sua residência em Roma se devem classificar no número das lendas mais ridículas!





Folheando os sagrados escritos não encontrei o mais leve vestígio do papado nos tempos apostólicos! E percorrendo os anais da Igreja, nos quatro primeiros séculos, o mesmo me sucedeu! Confessar-vos-ei que o que encontrei foi o seguinte: Que o grande Santo Agostinho, bispo de Hipona , honra e glória do Cristianismo e secretário no Concílio de Melive, nega a supremacia ao bispo de Roma.





O papado não é instituição divina.





Entre os doutores da antiguidade cristã, Santo Agostinho ocupa um dos primeiros lugares, pela sua sabedoria e pela sua santidade. Escutai como ele se expressa sobre a primeira Epistola de S. João: Edificarei a minha Igreja sobre esta rocha, significa claramente que é sobre a fé de Pedro.





No seu tratado 124, sobre o mesmo S. João, encontra-se esta significativa frase: Sobre esta rocha, que acabais de confessar, edificarei a minha Igreja; e a rocha era o próprio Cristo, filho de Deus.





Os Apóstolos nunca reconheceram em S. Pedro a qualidade de vigário do Cristo e infalível doutor da Igreja.





Pedro nunca pensou ser papa, nem fez coisa alguma como papa.





A História, a razão, a lógica, o bom senso e a consciência do verdadeiro cristão, que Jesus não deu supremacia alguma a Pedro, e que os bispos de Roma só se constituíram soberanos da Igreja, confiscando, um por um, todos os direitos de episcopado!






Não sou insolente! Não, mil vezes não! -- Contestai a História, se ousais fazê-lo; mas ficai certos de que não a destruireis! Se avancei alguma inverdade, ensinai-me isso com a História, à qual vos prometo fazer a mais honrosa apologia. Mas compreendei que eu não disse tudo quanto quero e posso dizer. Ainda que a fogueira me aguardasse lá fora, eu não me calaria!






Não griteis, Monsenhores! Temer a História é confessar-vos derrotados! Ainda que pudésseis fazer rolar toda a água do Tibre sobre ela, não borraríeis nem uma só das suas páginas!






A História protestará eternamente sobre o monstruoso dogma da infalibilidade papal; e quando mesmo todos vós o aproveis, faltará um voto, e esse voto é o meu!






Oh! Se Deus quer castigar-nos, fazendo cair pesadamente a sua mão sobre nós, como fez ao Faraó, não precisa permitir que os soldados de Garibaldi nos expulsem daqui; basta deixar que façais de Pio IX um Deus, como já fizestes uma deusa da Virgem Maria.






Anátema! Anátema! Para os que contrariam a doutrina de Jesus! Ficai certos de que os Apóstolos, se aqui comparecessem, vos diriam a mesma coisa que acabo de declarar-vos.






Leia na íntegra aqui.
Texto extraído do livro: Roma e o Evangelho – resumidos e publicados por D. José Amigó Y Pellicer.