23.7.14

EVANGELHO E WEB 2.0 (OU 3.0)


EVANGELHO E WEB 2.0 (OU 3.0)
PONTUANDO BREVEMENTE O POTENCIAL DA DIFUSÃO TEOLÓGICA EM PERSPECTIVA ATUAL  DO CONHECIMENTO ABERTO

Raniere Menezes

A Internet (e mídias digitais) evolui tão rapidamente que é controverso tentar defini-la como 2.0, este termo é popularizado desde 2004, quando se descreveu sobre os usuários da segunda geração do WWW. É algo associado ao conceito de troca de informações e colaborações dos usuários da Rede. Alguns já usam o termo Web 3.0, como uma existente terceira geração da Internet por causa do maior conhecimento de navegação dos internautas e também por causa da mobilidade, é possível acessar a Internet na palma da mão em qualquer lugar e hora.  Acredito que a maioria dos usuários comuns ainda estão na Web 2.0, onde o Google, You Tube e Facebook predominam na navegação. Talvez estejamos numa Web 2.5 para ninguém brigar.

A produção de conhecimento e informações através da Internet cresce de modo absurdo e o grande desafio para todas as áreas do conhecimento é o que fazer com tanta informação? Como filtrar montanhas e montanhas de informações? A palavra do dia é "gestão de conhecimento". Imagine que exista uma livraria do tamanho da Rússia e que somente sua vitrine dos lançamentos fosse do tamanho da Grande Muralha chinesa e ainda exista mesas e mais mesas com os livros mais vendidos com a dimensão  do Brasil. Ainda faltam as prateleiras, que cobrem todo território citado, como pesquisar livro por livro? Quando falamos em produção de informação no ciberespaço a complexidade é muito maior que a nossa livraria russa.

A Web 2.0 é uma explosão e a conectividade e interatividade estão crescendo na mesma velocidade. E a Igreja está inserida dentro dessa transformação e submersa numa espécie de caos teológicos, nunca se viu tanta loucura gospel como hoje. Isso significa que, com tamanho fluxo de informações e novas formações de conexões e compartilhamentos com outras pessoas e conhecimentos, é impossível adquirirmos toda a quantidade de informação disponível em determinada área.

Os maiores difusores tradicionais da educação teológica da modernidade e pós-modernidade até então foram os seminários de teologia.  A palavra "seminário" vem do latim "seminariu", que origina e significa "sementeira; viveiro de plantas onde se fazem as sementeiras." A ideia era de que o "seminarista" ficasse separado sob cuidados especiais e protegido durante o tempo de sua formação teológica. Esse conceito era válido igualmente para católicos romanos e protestantes. Para os católicos a ideia era proteger os seminaristas das heresias protestantes, e vice e versa. Hoje, com o conhecimento aberto e a grande expansão de informações, a aplicação etimológica não faz tanto sentido, e na prática a difusão teológica deve se adaptar a esta realidade ainda indefinida e dinâmica. Dificilmente se encontra hoje uma unanimidade PRÁTICA  eclesiológica e missiológica dentro de uma denominação, em parte resultado da ampla oferta de cosmovisões. Essa fragmentação de realizações diferenciadas é um fato em todas as denominações cristãs. Geralmente há uma maior aceitação e tolerância de uma certa liberdade de atuação. Se isso compromete alguns princípios básicos da fé cristã, é outro assunto que merece ser tratado a parte.

Voltando a nossa ideia central, a visão de instruir as massas populares foi enfatizada de maneira peculiar no ambiente da Reforma Protestante no século XVI.  A teologia não deveria ser mais contida em poucos e restritos lugares, mas houve uma larga expansão aos mais diferentes contextos geográficos. Assim nasceu a ideia da Academia de Genebra, na Suíça, com Calvino, para citar um exemplo embrionário. Genebra tornou-se um centro educacional de preparação teológica como um trampolim para alcançar as regiões mais distantes. Muitos crentes vocacionados e perseguidos pela Contra-Reforma buscavam refúgio e preparação na Academia.

A contribuição da Academia de Genebra foi fantástica. Ela se transformou num centro de difusão teológica  estratégica formando centenas de pessoas de diversas nacionalidades. Esta visão inicial da Reforma em promover formação teológica para propagação do Evangelho é fundamental  para a expansão missionária da fé cristã hoje, tanto quanto no contexto da Reforma. Atualmente, com a Internet devemos manter a mesma visão e espalhar os princípios da Reforma. Cada vez mais haverá menos necessidade do estudante sair de sua região para se preparar e então voltar e espalhar o Evangelho como missionário. É preciso descentralizar nesse sentido de aprendizagem. Se Genebra já foi um centro missionário, podemos imaginar hoje que pode haver milhares de Academias em cada localidade geográfica por causa das ferramentas de comunicação que temos.

Muito tem se falado sobre o conhecimento distribuído após o início da Era Digital que vivemos. Somos estudantes do século XXI e as aquisições de conhecimento e informações estão ligadas diretamente a vida do dia-a-dia para quem faz uso de recursos tecnológicos disponíveis e cada vez mais acessível e de uso fácil e intuitivo.  Com o avanço dos mecanismos de buscas e filtragens a aprendizagem avançará mais ainda. Acredito que estamos vivendo hoje muito mais uma fase de fomentação teológica e que posteriormente virão os ajustes que não surgirão de vias tradicionais, nos moldes dos seminários presenciais em sua perspectiva institucional de ensino. Em certa escala isso já está acontecendo.

George Siemens, um autor canadense que trata sobre aprendizagem e era digital,  resumiu bem sobre esse contexto que estamos vivendo na troca de informações, ele diz que "a tecnologia reorganizou o modo como vivemos, como nos comunicamos e como aprendemos." A aprendizagem informal só tende a crescer, é um processo dinâmico e complexo, que já está acontecendo e é irreversível. Isso é fato, a mudança na aprendizagem mudou, e é preciso rever paradigmas. As novas ferramentas vão surgindo e o modo como se trabalha, se estuda, vão sendo alterados. Este é o novo ambiente do Evangelho na era digital.

Não existe nada de novo na aprendizagem fruto de conexões entre pessoas, comunidades e conteúdos. Os discípulos da Igreja Primitiva podiam reunir dezenas e centenas de pessoas para conhecer mais sobre o Evangelho e essas pessoas ao retornarem para suas comunidades  descentralizavam e distribuíam o conhecimento. Os conteúdos muitas vezes eram preservados e propagados através de manuscritos, a exemplo das Cartas Apostólicas que circulavam dinamicamente por todo mundo antigo. Havia uma rede de conexões e o conhecimento circulava por essas redes. A diferença hoje é a velocidade do compartilhamento e a des-integração, há muito mais fragmentação e caos. Nesse cenário fica mais difícil conectar o conhecimento específico e relevante. Daí a importância em termos a teologia como um sistema (também a confessionalidade, necessária). O que já faz a teologia sistemática ao longo da história. Sistema nada mais é que um conjunto de elementos relacionados entre si, também uma reunião de princípios de modo a formar um corpo de doutrina. O corpo de doutrinas cristãs ortodoxas não nasceram da noite para o dia, é fruto de muitos debates e confrontos com heresias. O nosso trabalho é garimpar e propagar.

O maior desafio é saber filtrar e compartilhar em meio ao caos. É preciso entender que não há nada de novo a ser ensinado na fé cristã, mas a mudança é relacionada ao que os teóricos da comunicação chamam de "escalabilidade da comunicação." A igreja em seu ensino-aprendizagem deve respeitar a história das doutrinas cristãs, da produção de defesas da fé ao longo do tempo. O armazenamento de informações não é uma ideia nova, as bibliotecas que o digam. O ponto hoje é como melhorar o acesso, a filtragem e compartilhamento. Usar bem as novas ferramentas disponíveis e criar outras que aumentem a colaboração e conexão das redes. Esse é o grande desafio do mundo sem fronteiras.

Se você pensa em desenvolver algum projeto de propagação do Evangelho na Internet e acha que não tem recursos necessários, lembre-se da famosa frase de Roosevelt: Faça o que pode, com o que tem, onde estiver.

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"A tecnologia reorganizou o modo como vivemos, como nos comunicamos e como aprendemos." George Siemens