7.9.16

Calvino contra a Astrologia: Um dos debates quentes do século XVI


Calvino contra a Astrologia: Um dos debates quentes do século XVI
Por Raniere Menezes

A astrologia é uma antiga tradição. Para muitos no século XVI a astrologia era entendida também como um juízo de Deus anunciado pelas estrelas. E é uma das tradições mais antigas da humanidade, e ainda causa de controvérsias e admiração. Há relatos milenares entre os caldeus, egípcios, mesopotâmios e em sociedades mais recentes na linha do tempo da história.

Não confundir astrologia com astronomia. O desenvolvimento da astronomia cientifica contribuiu para enriquecer de informações a astrologia, embora distintas. Depois de Ptolomeu a astronomia se desenvolveu notavelmente dentro do islã (Calvino reconheceu isto). No Renascimento destaca-se o astrônomo Galileu, com o uso do telescópio. A astronomia aproximou-se cada vez mais da matemática, que permitia calcular órbita, distâncias etc. Grandes astrônomos merecem destaque como Copérnico, Brahe, Galileu, Kepler e outros. Astrologia tem a ver com horóscopo, e astronomia é ciência.

Até hoje os noticiários destacam comentários de astrólogos sobre eclipses e passagens de cometas. De fato, corpos celestes são fascinantes. O mapeamento do céu sempre foi usado para reconhecer estações, navegação, marés, tempo de semear, de colher e outras observações. As conjecturas da astrologia relacionam-se e são fortalecidas por histórias mitológicas que enriquecem as imaginações especulativas. O homem tem desejo de conhecer o futuro, prever desastres, epidemias, mortes e outros acontecimentos.

Na França do século XVI as igrejas discutiam sobre a astrologia como hoje discutimos sobre a influência do entretenimento em nossas igrejas. Muitos consideram coisa normal. João Calvino combatia teologicamente qualquer “causa-efeito” relacionado às estrelas do céu. As estrelas não afetam em nada eventos humanos trágicos ou felizes, afirmava. O cotidiano das pessoas não tem nada a ver com astrologia. Teologicamente só se deve reconhecer as predeterminações de Deus em seus Decretos Eternos.

A astrologia não tem nem base cientifica nem teológica, é biblicamente improcedente. No século XVI a astrologia era usada até judicialmente (pasme!), para distinguir o certo do errado, para julgar indivíduos. Em 1548, Calvino fez uma advertência contra a astrologia judicial. O texto de Calvino em Genebra foi publicado pelo editor Jean Girard em 1549 sob o título "Tratado ou advertência contra a astrologia judiciária e outras curiosidades que influenciam o mundo hoje”. Republicado em 1842 para a biblioteca Charles Gosselin, em um volume dedicado às obras de Calvino. Mais recentemente, Olivier Millet editou uma publicação anotada em 1985.

O movimento da Reforma Protestante entrou numa batalha contra a astrologia no século XVI. Neste tempo, em quase todos os círculos sociais, o povo gostava de horóscopo, almanaques, "généthliaques" (espécie de mapa astral, peças escritas para o nascimento de uma criança). Com o advento da impressão em papel, a distribuição de literatura deu mais força a astrologia.

Nesse contexto cultural Calvino usou de toda energia e ironia para escrever seu Tratado contra a astrologia. O povo simples era alvo fácil dos horóscopos, mas também gente letrada e influente. E a igreja sofreu influência desses escritos. Calvino citou a mesma passagem que o Apóstolo Paulo escreveu aos Gálatas 1.6-7:

Maravilho-me de que tão depressa passásseis daquele que vos chamou à graça de Cristo para outro evangelho; O qual não é outro, mas há alguns que vos inquietam e querem transtornar o evangelho de Cristo.

Calvino comentou que havia uma curiosidade louca de adivinhar o futuro pelas estrelas por parte de seus contemporâneos. E que isso não passava de uma superstição diabólica e perniciosa para a humanidade. E que havia gente com boas intenções quase enfeitiçada.

Ele não condenava a astronomia, pelo contrário, dizia que o conhecimento astronômico deve ser reconhecido, o conhecimento da ordem natural, mas a especulação é condenada. As estrelas podem ser sinais para nos mostrar a estação da sementeira ou plantação, mas é especulação consultar as estrelas para usar um vestido novo, ou fazer negócios num determinado dia e outro não, criticava o teólogo francês.

Calvino reprovava a prática de "généthliaques prédéterministes", um tipo de mapa astral. Ele questionava: “Pessoas que nasceram no mesmo dia teriam a mesma vida? Gêmeos tem o mesmo destino?” Ele chamava os astrólogos de os "fazedores" de horóscopos. Possivelmente o que mais incomodava Calvino é que os astrólogos justificavam o seu determinismo como sendo juízo de Deus. E também, diziam, que havia semelhança da prática deles com a carta do Apocalipse, que contém sinais do céu e profecias futurísticas. Calvino rebatia que profecias não tem relação com as estrelas.

O teólogo argumentava: “Quando José previu a fome do Egito havia alguma relação com as estrelas? Pelo contrário, havia uma revelação miraculosa”. Concluiu que, os egípcios sondavam as estrelas como meio de adivinhação e não sabiam da fome que viria. E Deus advertiu Faraó num sonho e José revelou seu sonho, mas nenhum astrólogo conseguiu prever o futuro. As estrelas não têm domínio sobre nós, sentenciava o reformador. Usou outro exemplo, o de Jeremias. Deus revelou ao profeta Jeremias que não devemos ser como os pagãos, temendo os sinais do céu. Jeremias exortou seu povo a confiar na providência divina e não ser seduzido com as loucuras dos caldeus e egípcios.

João Calvino realçava que o homem carrega todos os males dentro de si. Seus pecados que acendem a ira de Deus, atraindo sobre si guerras, fome, granizo, geada etc....e mais: aqueles que buscam orientação e felicidade através da previsão das estrelas retiram a confiança em Deus. Ao crente cabe descansar no conhecimento e nas mãos de Deus, e será abençoado por ele, servindo-o de boa consciência. Este é o caminho do discernimento e sabedoria apontado pelo teólogo.

Há o exemplo dos Efésios que em Atos é relatado. Aqueles que querem seguir o Evangelho devem queimar seus livros mágicos, mesmo que valham uma fortuna. -- Atos 19.19:

Também muitos dos que seguiam artes mágicas trouxeram os seus livros, e os queimaram na presença de todos e, feita a conta do seu preço, acharam que montava a cinquenta mil peças de prata.

Calvino aconselha em seu Tratado que se mantenha o inestimável tesouro do Evangelho em boa consciência, pois o temor de Deus é sabedoria contra todos os erros. Deus tem nos ensinado como santificar-nos e servi-lo humildemente. Que os letrados se engajem em bons e úteis estudos e não em curiosidades frívolas, que servem apenas para divertir os tolos. O nosso propósito é o temor de Deus.

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Fonte: museeprotestant.org